quinta-feira, 29 de março de 2012

Sarita

- Sarita é uma menina de moderna, querido. É só uma fase - sua mãe sempre dizia, tentando acalmar os ânimos do pai que não aceitava que sua filha - aquela putinha - chegasse em casa bêbada todas as noites.O ano era 1970 e uma mulher farrear na rua era inaceitável.
–Vem cá sua vadia!Eu sei desses pederastas comunistas com os quais você anda! Acho que aquelas surras que você levou antes não deram jeito nessa sua cabeça de merda! – E lá vinha Dona Célia pra segurar Seu Adamastor antes que ele fizesse alguma miséria. Mas nada que a pobre Dona Célia fizesse poderia diminuir o ódio que pai e filha alimentavam um pelo outro.
As coisas já não eram mais as mesmas naquela casa que ficava incrustada num dos infinitos becos da cidade de Salvador. Sarita mudara, seu pai mudara e sua mãe insistia em pôr panos quentes na situação. Mas ela sabia que seu marido não iria aguentar por muito mais tempo.
- Ela já tem 17 anos Célia, está na hora de arranjar um marido e sair do meu pé – Dizia Seu Adamastor à sua esposa enquanto tomava seu café
- Mas querido, ela é só uma criança, não sabe direito o que faz, ela já está terminando o colégio, espere só até ela arrumar um emprego e nós ajudamos ela a comprar uma casinha.
Dona Célia era uma boa mãe, fazia de tudo por sua única filha. Quisera ter outros, um casal, como sempre sonhara, mas o destino lhe dera um ventre podre, incapaz de segurar por muito tempo um bebê. Sarita fora um milagre, na época ela e seu marido haviam feito uma promessa e conseguiram alcançar essa graça.
Mas Sarita era diferente das mulheres da sua época, era uma libertina, como seu pai insistia em dizer. Pensava em sair de casa, correr pelo mundo, conhecer pessoas e trabalhar com moda, as revistas que conseguia comprar com o dinheiro que pegava da carteira do seu pai falavam da revolução que estava acontecendo lá fora, uma revolução nas roupas, idéias e conceitos das pessoas, uma revolução feminista. E era isso que Sarita pensava ser, uma feminista. Se os homens podiam sair e namorar, por que ela não?
Até que o inesperado aconteceu. No começo seus pais pensavam que ela havia engordado um pouco, mas aí vieram os enjoos. Sarita estava grávida.
- Quem é o pai, sua cachorra? Diga-me antes que eu quebre suas pernas!- Seu Adamastor estava vermelho de raiva, à beira de um ataque do coração.
- Me deixe em paz seu velho decrépito, pensa que eu não sei que a noite você sai e pra pegar as putas da Ondina e deixa minha mãe chorando? Aliás, ela é uma idiota mesmo de continuar com um seboso feito você!
Sarita ficara lívida. Sua própria explosão a assustara e acabou se arrependendo do que dissera quase no mesmo instante em que terminara de falar. Sua mão chorava copiosamente trancada em seu quarto. Já não tentava mais controlar o marido, o que viria era inevitável.
- Sua cachorra safada, vai levar a maior surra da sua vida! – gritava Seu Adamastor enquanto desafivelava o cinto.
Mas Sarita cansara de apanhar. Pegara um castiçal de aço que estava em cima da mesa e acertara com toda a força, todo o ódio que podia existir num ser bem na nuca de seu pai.O velho caíra morto, sua cervical partira ao meio.

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